Um projeto de ocupação que prevê 12 empreendimentos entre moradia, hotel, centro de convenções, aeródromo, clubes de golfe e polo em Paulo Lopes, em uma área verde no entorno do rio da Madre equivalente a mil campos de futebol, tem causado dúvidas e polêmica entre os moradores da região e dos balneários vizinhos. Cartilhas informativas, com ilustrações, planos e mapas, que resumem o projeto privado Porto Baleia - enviado para análise da Fatma (Fundação do Meio Ambiente), foram entregues aos moradores da cidade. A proposta é executar em cinco etapas durante 20 anos.
Empresários da Agroland Ltda, empresa que é dona de parte das terras onde hoje opera com serviços de pecuária, tiveram a ideia há cerca de quatro anos e propuseram a parceria a um grupo de investidores, que agora integram o projeto conceito. O engenheiro agrônomo especialista em gestão física e territorial, Ricardo Luiz Scherer, foi quem fez os estudos para o projeto Porto Baleia e afirma que não é apenas um conjunto de empreendimentos, mas sim um plano de urbanização sustentável. Com projetos para mobilidade e conservação do estuário da Lagoa do Ribeirão, afluente do Rio da Madre.
Se o plano for concretizado, o projeto prevê, em 2035, uma movimentação média de 13 mil pessoas por dia na baixa temporada e 15 mil na alta temporada, somente no local onde estará instalado o Porto Baleia. Quase duas vezes a população estimada de Paulo Lopes em 2013 segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 7.045 habitantes.
A área abrigaria cerca de 8.400 moradores e 5.387 unidades entre residências, quartos de hotel e salas comerciais, podendo ser casas ou prédios com média de quatro andares e máximo de 15 andares. Hoje a área verde conta com poucas casas, de nativos da região e nenhum prédio residencial ou comercial.
Daniel Queiroz/ND
Área verde com poucas casas de nativo, daria lugar a um projeto de ocupação com mais de 5.387 unidades, entre residências, quartos de hotéis e salas comerciais
Moradores da região tem dúvidas sobre o projeto
As opiniões se dividem entre os moradores do entorno. A preocupação dos que não concordam com o empreendimento ou ainda não têm conhecimento completo do projeto é a área verde, a lagoa e o rio da Madre. A área foi desanexada do Parque da Serra do Tabuleiro entre 2009 e 2010 e virou uma APA (Área de Proteção Ambiental), hoje regulamentada por um decreto estadual de 2010. O plano de manejo e conselho gestor desta área estão em fase de elaboração.
O pedido da LAP (Licença Ambiental Prévia) para o projeto foi protocolado na Fatma há duas semanas e pode ficar em análise por até um ano ou por quanto tempo os técnicos considerarem necessário. Esta autorização apenas indica o que é viável ou não, depois ainda é necessário a LAI (Licença Ambiental de Instalação) para o início das obras e, por último, a LAO (Licença Ambiental de Operação).
Mas os autores da ideia não tem pressa. A proposta é mesmo em longo prazo. A ideia dos investidores proponentes do projeto é de que o complexo Porto Baleia esteja completamente pronto e em funcionamento pleno em 2035. Seria dividido em cinco partes, construído ao poucos e paralelamente.
Para o encanador aposentado e pescador Antônio Nascimento, 65, o projeto pode ser bom para uns e ruim para outros. Ele acha que pode trazer emprego para quem mora na região, mas ao mesmo tempo teme em perder a bela vista que tem do quintal da sua casa no bairro Ribeirão, em Paulo Lopes, terreno vizinho do rio e da área onde futuramente pode abrigar o projeto Porto Baleia. “Depois que eles pegarem a terra, pode ser que ninguém mais passe por ali e, se for assim, vai fazer falta”, diz.
A filha dele, Janaína Nascimento,30, teve acesso à cartilha e não vê vantagem: “O que eu vivi com meu pai, meus filhos não vão viver com o avô. De natureza a gente já tem pouco. Hoje vamos ao rio no fim de semana, pegamos um peixinho fresco para comer e acho que isso pode acabar”.
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Se empreendimento for erguido, pescador Antônio Nascimento perderá a bela vista que tem do quintal de sua casa no bairro Ribeirão
Fatma envolverá toda a equipe na análise do projeto
Como é um projeto de grande porte, precisa de um EIA/Rima (Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto ao Meio Ambiente). Esses estudos já estão na Fatma, mas sem previsão de data para conclusão do parecer técnico. Segundo o presidente da Fatma, Alexandre Waltrick, o processo vai demandar muito estudo e não é possível falar antes que seja analisado criteriosamente.
Um grupo de técnicos, que será coordenado pela diretora de Licenciamento da Fatma, está sedo formado e toda estrutura da fundação estará envolvida nesta análise. “Sabemos da importância do projeto, da possibilidade de discussão de ideias e vamos trabalhar com tudo o que temos aqui. Vamos analisar cada caso, avaliar os impactos, os meios de minimizá-los e, se necessário, contratar os melhores consultores do país para a análise”, disse.
Sobre o plano de manejo, Waltrick afirma que está sendo elaborado e tem previsão de ser concluído este ano. A demora se deve ao alto custo de fazer um plano deste tipo. Segundo ele, pode custar até R$ 400 mil. O documento servirá de parâmetro ao licenciamento.
Implicações na Guarda do Embaú
O projeto não despertou curiosidade apenas nos moradores de Paulo Lopes, mas também dos que vivem na Guarda do Embaú. O movimento SOS Rio da Madre, que lutam pela proteção do Rio da Madre, Guarda do Embaú e toda baixada do Maciambu e conta com centenas de moradores da região, quer esclarecimentos e defende a manutenção da área verde, desocupada.
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Moradores da Guarda do Embaú temem que empreendimento possa afetar o rio da Madre, que desemboca na praia de Palhoça
O presidente da Associação de Moradores da Guarda do Embaú, Luiz Antônio Rego, diz que o tema tem sido discutido nas reuniões e a preocupação é que afete o turismo e a pesca na região, dois principais meios de sobrevivência da comunidade. “Estamos conscientes e de olho no projeto. Esperamos que seja bem analisado, que se pare para rever o que precisa ser feito. Mesmo intitulado como empreendimento ecológico é preocupante”, diz. “Esse empreendimento pode afetar mais a poluição do rio e, se acabar com o rio, acaba com a qualidade de vida”, opina o presidente da Associação de Surf da Guarda do Embaú, Marcos Aurélio Gungel, o Kito.
A preocupação da associação de pescadores é semelhante. “Nos afeta diretamente porque o rio termina aqui, acho que falta esclarecimento. Temos que ser consultados também porque se mexer no rio vai mexer com os peixes e a gente vive da pesca”, afirmou o presidente da Associação de Pescadores, Gabriel Correa.
Autores do projeto visam crescimento planejado
O engenheiro agrônomo especialista em gestão física e territorial Ricardo Luiz Scherer, que fez os estudos para o projeto Porto Baleia, afirma que há uma tendência de crescimento da região metropolitana da Grande Florianópolis no entorno da BR-101, conforme tem sido Palhoça. Ele alega que o potencial de expansão e crescimento é inevitável e “se não for bem planejado, pode virar mais uma cidade dormitório, um local sem estrutura e de crescimento e ocupação desordenada”. Por isso, a proposta é implantar o projeto em longo prazo.
A ideia é construir um local que seja possível de trabalhar morar e se divertir. “É um conceito urbano. Quando se pensa em longo prazo, não incha. É desenvolvido e incorpora a valorização ambiental”, justifica. Segundo Scherer, não é possível mensurar os valores de investimento porque ainda é um conceito. Não há projeto arquitetônico definido. “É um projeto de qualidade de vida. Não configura gueto, nem queremos ser os donos da cidade, vamos desenvolver parte dela e será uma área aberta para todos que vivem ali”, explica.
Interferência no rio da Madre
Sobre os rios, o engenheiro garante que não serão feitos desvios, mas interconexões, que irão equilibrar o curso do rio e melhorar o sistema da lagoa. Não será adensado o suficiente para degradar e adensado suficiente para ser viável. O sistema de saneamento da área, que abrange o projeto, será feito pelos empreendedores, mas o entorno, fora da área privada precisará da ação do poder público.
O prefeito de Paulo Lopes, Evandro João dos Santos, assume que o “saneamento do município é zero”, como ele mesmo define, e para este ano não há previsão de mudança para esta situação. “No momento não temos projeto, mas estamos batalhando. Até 2015, o município deve encaminhar projetos para saneamento e pavimentação para também conseguir recursos federais”, afirma.
Sobre o projeto, o prefeito considera “bonito” e diz acreditar que poderá influenciar na geração de empregos e na qualidade de vida dos moradores da cidade. Segundo ele, só as terras valem mais de 50 milhões. “Tem que avaliar as questões ambientais e dentro da legalidade, mas acredito que pode acontecer. Nunca recebemos um projeto dessa importância”.
Fonte: Notícias do Dia.